(Publicado originalmente com pequenas alterações no facebook em 14.12.2017)
Um dos aspectos fundamentais da construção de Deriva é a transposição das impressões e imagens do conto À Deriva para a linguagem do larp. O que isso quer dizer?
No texto de Quiroga, temos uma personagem abandonada e transbordando doença em meia à selva. São justamente o isolamento e a falta de ajuda que a condenam, somados ao ambiente inóspito da mata.
Por princípio, penso o larp como uma atividade que proporciona o encontro de pessoas (como definido no Dogma 99). Não é uma defesa científica, mas uma profissão de fé: me interessa o larp que reúne pessoas e oferece uma plataforma de criação colaborativa. Nesse sentido, como trazer para a linguagem o isolamento da protagonista do conto e, ao mesmo tempo, estabelecer uma experiência coletiva?
Em Deriva, a solução foi separar o espaço concreto do espaço ficcional. Isso quer dizer que as pessoas habitam a mesma sala e se relacionam com os mesmos estímulos materiais, sonoros, luminosos, enquanto suas personagens não. O larp indica que cada participante crie sua própria selva e viva sua ficção independentemente, sem falar ou trocar olhares uns com os outros.
O resultado disso é a presença de sombras, ou espectros, invadindo o espaço e o campo de visão, sendo passado, presente ou realidade alternativa do sofrimento da personagem. Sem participar da ficção individual, o outro compõe uma terceira dimensão, contribuindo para a experiência coletiva.
A segunda materialização desse processo aconteceu neste domingo, no Sesc Itaquera. Deriva encerrou a programação Apenas um Jogo de 2017.
(Na imagem: Horacio Quiroga na mata)